AVES DE RAPINA

 

Hoje escrevo não apenas em memória de Valdirene Torquato, mas para todas as mulheres vítimas desse tipo de crueldade. É preciso lembra-las para que a nossa luta não seja em vão.

Valdirene Torquato da Silva tinha 42 anos de idade quando foi surpreendida a caminho do seu trabalho, era 25 de janeiro de 2022. Foram 19 facadas que perfuraram não apenas o seu corpo, mas o seu direito de existir livremente e exercer sua independência. O destino da mulher no patriarcado sempre será a morte.

O feminicídio não é uma grande novidade para as mulheres brasileiras, dia após dia vemos as mídias estamparem o rosto de mulheres que sucumbiram ao desejo de posse de machos histéricos e abusivos. Independentemente de idade, classe social ou credo, enterramos uma a uma com a mesma dor, medo e o questionamento: “quando será minha vez?”, “será que é possível ter um relacionamento saudável?”, “e se a pessoa que eu amo levantar a mão para mim ou ameaçar minha integridade física?”. Eu faço esses questionamentos todos os dias...

Valdirene estava “livre” de um relacionamento abusivo e resolveu seguir sua vida, era doméstica, e tinha um filho de 7 anos com o seu assassino. Segundo a família eles foram casados por uma década e há cinco estavam separados, mas o infame não aceitava o fim do relacionamento, e além disso Valdirene já tinha sofrido outras tentativas de feminicídio! Inclusive já tinha procurado a polícia para uma medida protetiva, mas de nada adiantou... Ser mulher no Brasil nunca foi uma boa ideia.

                                            Imagem: brasildefato.br

As medidas protetivas entraram em vigor no Brasil apenas em 2006, com a Lei Nº 11.340 conhecida como a Lei Maria da Penha. Esse artifício tem como objetivo prevenir a violência doméstica e familiar e, consequentemente, o feminicídio.  Segundo o site jusbrasil: As medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso. Infelizmente a eficácia da medida protetiva fica nas entrelinhas, quem lembra quantas de nós enterramos que estavam com o “benefício” da medida protetiva? Preciso lembrar de Ana Waleska de Araújo que foi morta em plena luz do dia pelo companheiro que não aceitava o fim do relacionamento, ela tinha dois filhos com seu assassino e tinha conseguido uma medida protetiva.

O ódio dos feminicidas às mulheres é claro e evidente a cada notícia de um crime divulgada. Foram 19 facadas e isso significa muita coisa! As 19 facadas reiteram não só o sentimento de posse do corpo de uma mulher, refletem o ódio, a misoginia, a decepção enrustida de ver uma mulher se reerguer após sair de um relacionamento doloroso. Eles são pilantras dos nossos sonhos, torturadores cruéis da nossa tão sonhada libertação.

Romper o ciclo da violência, na minha opinião, é uma das tarefas mais difíceis do feminismo. Para chegar a sua máxima, no caso do feminicídio, a violência começa de forma sorrateira! Tudo se inicia com as pequenas proibições: “que tal você mudar de roupa? Essa é meio vulgar”, o segundo patamar são as violências verbais e até mesmo físicas (tapas, puxão de cabelo, empurrões) seguida de uma reconciliação com direito a flores e jantar à luz de velas, isso são pequenos mecanismos que fazem as mulheres a permanecerem a longo prazo em relacionamentos violentos. Reconhecer que está em uma relação interpessoal venenosa é um processo complexo, e esse seria o “pontapé inicial”, porém, nem todas tem a sorte de ter uma rede de apoio fiel que possa servir de alerta ou uma fonte de cuidado... e quando a “escama de peixe” cai dos olhos, já é tarde demais! Sem o apoio do estado, dos amigos ou da família, a vítima, sozinha, encara seu algoz e acaba morrendo a caminho do trabalho com 19 facadas, ou com um tiro na cabeça na fila de um banco.

Não menos importante, preciso trazer à tona que o feminicídio não escolhe classe social ou cor! Algumas das mulheres vítimas desse crime hediondo eram independentes, e apenas estavam seguindo suas vidas. Para sofrer algum tipo de violência, basta ser mulher! Não exagero em minhas palavras e reitero o que disse a magnífica Márcia Tiburi: “As mulheres concernem bem mais ao mundo da violência do que ao mundo do poder.” A realidade é que somos aves querendo alçar voos maiores, mas para que isso aconteça, precisamos destruir as estruturas que nos oprimem, precisamos destruir as bases das ideologias sexistas e machistas, bem como disse bell hooks. E por vista, o feminismo como projeto político de emancipação feminina e destruição do patriarcado é a única solução.

Precisamos de uma sociedade feminista, precisamos da ideia radical de que nenhum ser é superior a outro, e que a violência sexista é a forma mais bruta da mediocridade humana.

No Brasil, o feminicídio é considerado um crime hediondo, com penas de 12 a 30 anos.

"O Brasil é o quinto país do mundo com a maior taxa de feminicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média é de 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres. Apenas no primeiro semestre de 2020, foram registrados 648 feminicídios no país, 1,9% a mais do que no mesmo período em 2019."

“...a violência sofrida por mulheres é exercida certamente por homens, mas também por toda uma sociedade que produz esses mesmos homens como seres de privilégios contra outros seres que, não sendo homens, não teriam privilégios...”

                                                          - Livro: Feminismo em Comum - Márcia Tiburi


Texto: Luana 
Me siga o Instagram: @ffeminismolivre

.
.
www.meionorte.com/policia/homem-mata-ex-mulher-e-tira-a-propria-vida-na-zona-leste-de-teresina-416508
www.ufsm.br/midias/experimental/integra/2021/01/22/pandemia-escancara-o-feminicidio-e-a-subnotificacao-no-brasil-e-no-mundo/?amp
https://www.saopaulo.sp.leg.br/mulheres/legislacao/lei-do-feminicidio/








Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O MITO DE CIRCE

A SUBSTÂNCIA

O GRITO