JOSEFA PAULINO: UMA CAMPONESA DO BRASIL

Eu tô na contramão da história escrita pelos homens. Eu tô na insistência pela visibilização das mulheres na história. Hoje vocês conhecerão a história de Josefa Paulino da Silva pelo meu olhar. E desde já a agradeço pela persistência de sua luta, para que eu pudesse lembra-la hoje.

- Para Josefa e todas as outras grandes mulheres que vieram antes de mim. 🔊

Uma das funções da História em Geral é preservar o passado coletivo e reinterpretá-lo para o presente. Mas às mulheres é negado um passado. (Lola Aronovich para o livro “A Criação do Patriarcado”). Eu penso como Lola. São séculos de apagamento histórico, desde as primeiras civilizações somos jogadas para escanteio no que diz respeito à construção da história da humanidade. Hoje, reivindicamos nosso papel por direito e pelo sangue derramado.

Pois bem. Como disse no início, hoje falarei de Josefa Paulino. Uma Alagoana do pé quente que deu o que falar nas lutas camponesas do Brasil. Apesar de pouco documentada (atente-se para o que eu disse acima), pedi ajuda às deusas para que eu pudesse documenta-la hoje nesse meu pequeno espaço.

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“Sozinho a gente não é ninguém”. Foi o que Josefa disse quando decidiu entrar na luta campesina. Nascida no ano de 1924 em São Miguel dos Campos, no estado de Alagoas, a líder camponesa era de origem muito humilde, filha de trabalhadores rurais, teve sua infância marcada pela pobreza e escassez.

Em 1924, ano de nascimento da nossa protagonista, o país era governado por latifundiários, vivíamos o período chamado: "café-com-leite", onde os grandes proprietários de terra revezavam no poder, e concomitantemente, os movimentos de luta por terra começaram a florescer nas entranhas do Brasil, e foi diante dessa conjuntura que a figura de Josefa Paulino entraria na história... quer dizer... mais ou menos...

Devido a pobreza de sua família, ainda muito pequena, aos 10 anos de idade, ela foi “entregue” ao seu tio, essa atitude de “entregar” um filho à parentes com mais posses, ainda é comum até hoje! Meninas são retiradas do seu seio familiar para ter uma melhor condição de vida, mas na verdade são feitas de escravas domésticas em troca de um prato de comida. O que aconteceu com Josefa foi quase isso, trabalhou dos 10 aos 16 anos de idade como doméstica na casa do próprio tio. Pouco tempo depois, ela decidiu ir para Recife para trabalhar “oficialmente” como empregada doméstica para ajudar sua família. Se somente a pouco tempo as empregadas domésticas conseguiram direitos constitucionais, imaginem uma empregada doméstica trabalhando no Brasil na década de 30. Acredito que não preciso detalhar as condições precárias, jornadas abusivas, e a falta de um salário digno, além dos maus tratos físicos e humilhações... Josefa passou por tudo isso, e ela não tinha seus 18 anos... Calejada pela pobreza e falta de oportunidades, ela decidiu voltar à sua terra natal.

Em 1940, aos 16 anos, Josefa chegou em Maceió. Foi nesse retorno que ela começou um romance com José Pureza, seu futuro marido. Casou-se aos 18, e agora tinha um companheiro de vida para lutar pela sobrevivência em um país hostil para quem era trabalhador. Em 1942 mudou-se para o Rio de Janeiro, passando a habitar no município de Duque de Caxias. Em terras cariocas ela tentou ganhar a vida como costureira, mas a empresa em que ela trabalhava faliu, e consequentemente a saída para ter um sustento foi se aliar ao seu marido, trabalhando no campo. Josefa não queria esse destino para sua vida, pois o campo lembrava a escassez e a pobreza que vivia quando era menina, mas não teve alternativas.

Inicialmente, seu marido trabalhava em terras do Estado, organizando trabalhadores rurais, e apesar de ter uma certa resistência, foi assim que Josefa iniciou sua luta campesina. Com a proximidade com as mulheres do campo, ela passou a se integrar sobre as questões de terra no Brasil e aliou-se com outras mulheres na luta por direitos. Mesmo sem saber, Josefa começou a fazer aquilo que Angela Davis nos aconselha: “se engajar como ativistas nas lutas das massas com ao objetivo de longo prazo de transformar fundamentalmente as condições socioeconômicas que produzem e alimentam de maneira contínua as várias formas de opressão a que estamos sujeitas.”

Josefa e seu esposo moravam em terras abandonadas em Xerém, no município de Duque de Caxias, mas como tudo no Brasil “já tem dono”, o casal começou a ser ameaçado de despejo por grileiros. Os conflitos de terra é uma das raízes do Brasil, e um de nossos grandes problemas graças à colonização, Josefa tomou consciência disso com sua vivência como trabalhadora do campo, suas percepções políticas começaram a florescer com os conflitos que batiam na sua porta... era preciso lutar, mas como? Como quem? Geralmente os que tem maiores posses acabam vencendo... isso é o que a história diz.

Em 1955, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), e foi nesse espaço de construção coletiva que ela se tornou uma militante ativa pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Na sua Jornada ela participou ativamente das Ligas femininas do Campo, participou da Campanha “O Petróleo é Nosso” e do movimento de mulheres, ainda na década de 50 compareceu ao I Congresso Latino-Americano de mulheres, no RJ, também foi escolhida para representar as trabalhadoras rurais brasileiras no Congresso Mundial das Mulheres Trabalhadoras na Hungria, depois do congresso, foi convidada para visitar a União Soviética, a potência comunista da época! Participar de eventos grandiosos e ser convidada para tamanhas honrarias não é para qualquer uma...

Quase uma década de lutas e participação em espaços importantes de discussões sobre a luta no campo, Josefa passaria por mais um desafio... na verdade, todas as pessoas que lutavam por um país mais justo! Em 1964, o golpe militar atingiu em cheio os grandes idealistas e revolucionários brasileiros. Em um período de 21 anos movimentos sociais seriam perseguidos, presos, torturados e mortos, o Brasil passou a ser o brazil. A vida de Josefa também seria marcada por esse tempo difícil, mas como ela disse: “sozinho a gente não é ninguém, a gente só é muita coisa junto com o povo...” Na ditadura militar ela e seu marido forma perseguidos, os companheiros de luta eram presos e mortos, mas a esperança de dias melhores era presente na vida dessa camarada, que desde pequena, sofreu com as heranças do colonialismo.

Ainda na ditadura, Josefa foi presa, mas passou pouco tempo na prisão, enquanto seu marido demorou cerca de 2 anos para ser liberado. Ele foi torturado e perdeu o desejo de lutar por um país livre. Apesar das sevícias que o marido sofreu, Josefa permaneceu na luta e ajudou a criar o Centro da Mulher de Brasileira de Niterói, além de atuar na Federação dos Trabalhadores na Agricultura e com os sindicatos rurais... seguiu lutando pelos seus direitos até sua morte!

A simbologia de ter uma figura como Josefa na luta camponesa é imensa! Uma mulher que nasceu na pobreza, trabalhadora do campo, sofreu com as injustiças sociais, mas seguiu resistindo e representando as mulheres até o fim de sua vida.

Sim, nós produzimos avanços. Josefina PRESENTE!

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Texto em Memória de Josefa Paulino Da silva. Mulher, Comunista, Trabalhadora e Líder Camponesa. 



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