"LAS DOS FRIDAS" - AS DUAS FRIDAS QUE EU GOSTO

          “Meu Sangue é o milagre que viaja nas veias do ar do meu coração para o seu”

As duas Fridas. Um dos quadros mais fortes de Frida Kahlo, na minha humilde opinião. Ela pintou essa obra prima em um momento de grande dificuldade: durante seu divórcio! Diego Rivera disse a ela que seria melhor os dois se separarem, uma frase dessa parece até piada vindo de um homem abusivo, consequentemente, essa decisão trouxe grande dor para Frida. Então, o quadro “Las dos Fridas” nasceu da dor de um relacionamento conturbado.

Segundo a própria, as duas fridas é sua dupla personalidade, um autorretrato que mostra a Frida que Diego tinha amado e a outra que Diego amava. A Frida à esquerda, a que Diego não ama mais, usa um vestido branco vitoriano, com delicados ornamentos no peito e no pescoço e umas poucas flores vermelhas à barra; A Frida à direita veste trajes típicos mexicanos, saia e blusa tehuanas, e seu rosto parece um tom mais escuro do que sua companheira espanhola, (parte índia mexicana e parte europeia). O coração de ambas está exposto. O peitilho com babados de Frida que deixou de ser amada está rasgado, revelando seu seio e o coração partido. O coração da outra Frida está intacto. Cada Frida está com a mão pousada junto ao órgão sexual. A Frida rejeitada segura uma pinça cirúrgica, a Frida tehuana segura um retrato em miniatura de Diego ainda menino. Da moldura carmesim da miniatura oval brota uma cumprida veia que também lembra o cordão umbilical emergindo de uma placenta. Assim, o retrato em formato de óvulo de Diego parece representar tanto um filho perdido quanto um amante perdido (para Frida, Diego era como um filho e marido). A veia dá voltas em torno do braço da Frida Tehuana, entra pelo vestido e se conecta a uma grossa artéria que lhe sai do coração, visível sobre o vestido, nessa parte do quadro, podemos perceber o sangue que jorra dessa artéria grossa, ela tenta estancar o sangue com a pinça, mas é em vão, o sangue transborda e forma uma poça.

Sozinha e em um ambiente monótono, As Duas Fridas mantém os rostos passíveis, porque além da dor expressa no quadro, a mensagem também é sobre superação e autoamor: “Frida se conforta, se protege, se fortifica”. A dor era o palco principal onde Frida se apresentava rotineiramente.

É, eu sei... Minha mente também entrou em ebulição quando li o significado desse autorretrato (está disponível na Biografia “Frida” da Hayden Herrera). Frida era uma daquelas mulheres que se conhecia como ninguém, pintava sua própria realidade tão bem que parecia algo surreal! Afinal de contas, o autoconhecimento é algo a ser trabalhado cotidianamente... conhecer nossas emoções e saber até onde o sapato aperta. Quando nos conhecemos, passamos a pensar mais em nós mesmas, inclusive com carinho, digo isso por mim. Mas não é sobre mim que quero falar, singelamente explicitei as duas fridas para falar de relacionamentos abusivos, algo recorrente no nosso meio, que aparece de forma sutil e que tem a ver, na maioria dos casos, com a falta de amor próprio.

Trabalhando no @projetofalamana consegui chegar em um estado “mais próximo” de sentir o que era um relacionamento abusivo, infelizmente isso é algo corriqueiro em nossa sociedade patriarcal; Milhares de mulheres enlaçadas em uma relação destrutiva, em que elas próprias se sentem culpadas ou indignas de um amor, graças ao psicopoder de alguns aí...

Mas o que seria esse relacionamento abusivo? (voltado para relações amorosas). Bom, um relacionamento abusivo é uma série de ações tóxicas que causam um grande desconforto na relação, são formas “sutis” de violência, e pode haver ou não agressões físicas! Geralmente as pessoas que sofrem esses abusos se sentem culpadas por todos os problemas da relação, gerando um sentimento de auto insuficiência e consequentemente falta de autoamor. Essas relações tóxicas são sorrateiras! É aquela velha história do “lobo” em pele de “cordeiro”!

Infelizmente, as mulheres são as mais atingidas por esse tipo de relação! (lembrando que não estou dizendo que mulheres não podem ser abusivas) Somos as mais atingidas porque estamos em uma sociedade patriarcal, que implicitamente, desde quando nascemos, nos diz que devemos ser subservientes e que “vale a pena” aceitar certas coisas para ter alguém no nosso lado... e a tomada de consciência para que possamos sair desse ciclo destrutivo, é um processo árduo a ser conquistado!

Digo isso pela minha experiência com o projeto! Muitas mulheres chegam a níveis tão deprimentes por conta dessas relações que pensam em suicídio ou fazem automutilações como uma tentativa de fuga: “a dor física é menor que a dor da alma” ...

“Você não pode usar essa roupa”, “não gosto que você ande com aquela sua amiga que parece uma prostituta”, “ninguém vai te amar como eu te amo”, “Você precisa de um homem forte ao seu lado”, são algumas frases manipuladoras para manter a vítima nesse ciclo... “a mesma mão que bate é a mesma mão que afaga” ... uma mulher vítima desse tipo de manipulação não consegue identificar de imediato o perigo dessas falas, podemos até confundi-las com proteção, ou carinho: ah! Esses ciuminhos bobos são bons para o relacionamento... cuidado! Uma pessoa pode durar anos nesse tipo de jogo psicológico sem se dar conta da realidade; as pessoas em volta observam, alertam, tentam ajudar, mas nada adianta... uma mulher sem rede de apoio, é uma mulher perdida no meio dos leões, é nessas horas que devemos exercer a nossa sororidade! Isso pode salvar vidas... literalmente.

Entenda lendo o exemplo abaixo:

(Joana estava em um relacionamento há alguns anos e passou por diversas situações até constatar que sofria abusos não só físicos, mas, psicológicos. Ela descreveu que o seu companheiro “aparentava ser um homem muito carinhoso e preocupado: ele estava quase todos os dias na porta do trabalho dela, ia buscá-la e gostava de levá-la para casa com segurança”. Ele sempre deixava claro “o quanto a amava”, mas também a incomodava com críticas e demonstrava ciúmes de alguns amigos e amigas, que já faziam parte da vida dela antes mesmo de se conhecerem. As brigas eram frequentes e os motivos pequenos. Joana por querer agradá-lo, aos poucos foi se distanciando dessas amizades. Ela constantemente ficava triste por ele implicar com as suas roupas, com o seu corpo e desvalorizá-la nas discussões. Ela contou que se sentia “sem graça”. Com o tempo, o fato dele sempre buscá-la no trabalho passou a incomodar já que ela desejava “ter alguns momentos sozinha”. Joana notou que o temperamento do seu namorado alterava frequentemente e quando foi expor as suas necessidades, se deparou com uma reação explosiva. Desde então a situação piorou muito. O ciúme era exagerado, em uma briga ela foi empurrada e se machucou. Todavia, ela acreditava que o mesmo poderia mudar, que tudo aquilo “era por amor”, “que ele estava apenas passando por uma fase ruim”. E as coisas não mudaram. Vieram ameaças e mais agressões, eles terminaram e voltaram diversas vezes. A história sempre se repetia e Joana se via dentro de uma situação “adoecedora”. A ansiedade, o medo e as angústias passaram a ganhar espaços físicos em seu corpo.) – Relato tirado do artigo: “Relacionamentos abusivos: uma discussão dos entraves até o ponto final.)

A história acima retrata o típico “morde e assopra” dos abusadores até se esgotarem as forças da vítima.

A solidão é o maior medo dessas mulheres! Depois de passarem pelo psicopoder se acham indignas de amor, que não vão encontrar mais ninguém que seja capaz de amá-las tanto quanto seu abusador...uma grande mentira que não conseguimos identificar!

Nesse ano, devido aos grandes índices desse tipo de violência e suas consequências terríveis, o governo federal sancionou a lei que inclui essa prática no Código Penal Brasileiro: "A lei diz que a violência psicológica contra a mulher consiste em "causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação

Essa lei é um reforço na nossa luta por dignidade! Faz parte das nossas conquistas na luta pelo fim da violência em qualquer manifestação.

O relacionamento abusivo é uma das formas mais cruéis de violência, e ele está alicerçado no patriarcado e no machismo estrutural! Precisamos ter consciência disso! Precisamos nos livrar desse julgo que nos oprime!

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É vítima de violência? Denuncie e não se cale! 

Quadro: Las dos Fridas


Texto: Luana

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