SANTA NO SOY

Segundo o Malleus Maleficarum, as mulheres guiadas pelo espírito do mal comprazem nos piores vícios possíveis. Portanto, a mulher é perversa por natureza e está propensa a hesitar na sua fé.

A mulher, primitivamente culpada pelo pecado principal, inicia sua nova jornada em busca de redenção. Mas não aquela redenção tão sonhada do patriarcado... Hoje é meio pessoal, não reparem!

Desde já peço licença à todas as grandes mulheres e pensadoras feministas que sempre estiveram na minha frente, para que hoje eu pudesse falar tanta besteira no meu cotidiano. 😁😁😁 O Malleus Maleficarum nunca esteve tão certo em certos aspectos...

O Malleus Maleficarum detalha uma espécie de transgressão feminina e nos coloca como o centro de todo o mal da humanidade. As grandes pecadoras promíscuas incapazes de agir sem a ordem dos espíritos malignos que nos cercam. As Evas dos homens, a costela torta de Adão, a Dalila de Sansão. Somos todas pecadoras e merecemos queimar no inferno, ao não ser que todas nós nos curvemos à um jovem homem, para que nossas almas sejam perdoadas. E isso nem é o roteiro de um filme... No Século XV, mulheres eram queimadas por serem mulheres com desejos sexuais, porque isso comprometia a retidão dos homens. Era pecado transar por prazer, e também se auto satisfazer através da masturbação. Ser mulher, nada podia... A incompreensão acerca do corpo feminino e a misoginia escancarada da época enfeitiçou uma galera que acreditava em bruxaria, mas era apenas uma tentativa descarada da igreja em controlar nossos corpos.

“Óh deus tenha misericórdia e piedade desse homem, que está sendo possuído por essa mulher” eram essas palavras que meu vizinho esbravejava enquanto a esposa dele estava gemendo em alto e bom som bem perto da minha janela. 😊 Religiosamente, às 4 da manhã, meus vizinhos selam um pacto, nem tão silencioso assim, homem e mulher. Quem diria?  Ainda segundo o Malleus, as mulheres tem a capacidade de remover o órgão sexual masculino, impedindo-o de copular, pelo vil prazer de neutralizá-lo... acho que minha vizinha discordaria dessa afirmação 😊 Tenho certeza que as antepassadas da minha vizinha estão orgulhosas hoje...

A igreja católica sempre teve a criatividade em dia para nos submeter a severas sevícias físicas e psicológicas do patriarcado. Aceitar caladas doutrinas que nos fazem submissas, até entrarmos em um ciclo vicioso de autoflagelação... E se eu transasse com alguém sem compromisso, eu viro uma mulher sem valor? Fácil demais? Talvez uma piriguete? Olha os resquícios medievais falando alto em você... e até mesmo em mim, de vez em quando... A religião sempre foi uma das estacas do patriarcado. Não é por acaso que os padres afirmavam que os demônios preferiam habitar em corpos femininos. E também não é por acaso que eles faziam as mulheres de tochas humanas para servir de exemplo... mas o pecado sempre compensa.

Em “O Contrato Sexual”, Carole Pateman nos relembra que do século XVI até o século XX, esposas eram comercializadas em praças públicas, inclusive custavam até menos que os escravos. “A mulher casada geralmente ficava com a corda no pescoço ao ser leiloada... a humilhação era grande.” O homem era o senhor absoluto da mulher, com o casamento sacramentado pela igreja, ela era a grande propriedade. Bruxas, submissas e escravas, desde sempre soubemos que a diferença sexual é uma diferença entre a liberdade e a sujeição.

Não há santo que cure uma mulher livre das sujeições sociais, mesmo que o patriarcado ainda persista! Vivemos séculos de submissão institucionalizada, seja pelas religiões ou sistemas econômicos. Fomos privadas de uma base econômica para depender financeiramente dos homens, fomos privadas dos espaços públicos para dependermos das decisões masculinas, fomos privadas até de nós mesmas quando o medo de conhecer nosso próprio corpo se apossa de nós. Ainda estamos em constante evolução em busca da nossa própria identidade, tentando fugir para longe das garras da dominação machista.

No século XV às 4 da manhã padres queimavam vivas as mulheres livres. Hoje às 4 da manhã as mulheres queimam, mas de prazer ao gemer em cima dos seus parceiros após séculos de demonização do corpo feminino. Depois de tantas cinzas, quem diria que chegaríamos até aqui?

Ah!! Só para lembrar: longe de mim querer ser a neta das bruxas que não queimaram, ou não se queimaram... sei lá.

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Texto: Luana



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