A PEQUENA NANÁ

 - “Vou morrer agora?”

- “Vai. Agora vai ter que ir”

- “Então quero morrer de frente”


- “Vira para cá”.

Esse foi o último diálogo entre Dinalva e seu assassino.

Depois de meses de vazio produtivo, não que isso seja relevante para quem lê esse diário, decidi retomar as atividades do blog desbravando, mais uma vez, a vida de uma das Guerrilheiras “mais famosas” do Araguaia. Quando descobri as grandes mulheres que tiveram participações importantes na história da humanidade, os espaços predominado por homens ficaram pequenos para mim. Ser coadjuvante nunca foi um processo natural. Desde já, agradeço quem nunca desistiu de mim, e espero que gostem da minha pequena homenagem para a Pequena Naná.

Revolucionária. Guerrilheira Temida. Subversiva. Geóloga e atualmente, desaparecida política. Dinalva Conceição Oliveira Teixeira nasceu no interior da Bahia, no dia 16 de maio de 1945, na época de seu nascimento, a ditadura Varguista estava em vigor no país; comunistas eram cassados e partidos de esquerda eram criminalizados. Dinalva enfrentaria suas sevícias por ser comunista anos depois.

Dinalva era a segunda dos sete filhos de Elza Conceição Bastos e Viriato Augusto de Oliveira. De origem humilde, cresceu no sertão baiano, era muito querida por seus familiares e chamada carinhosamente de “Naná”. Apesar de não ter nascido em lar privilegiado, em uma época que ler e escrever eram coisas de “gente rica”, Dinalva conseguiu terminar seus estudos primários e caminhava para a vida Universitária, onde sua vida mudou radicalmente! Em 1968, ela decidiu cursar Geologia, e assim foi feito. Aluna da UFBA, ela morava na Casa do Estudante, onde se aproximou dos movimentos sociais e da luta dos estudantes por um país democrático, longe da ditadura dos militares. O ano de 1968 foi um ano marcado por intensas prisões políticas e perseguição dos estudantes.

Totalmente ligada com as causas sociais e movimento pela terra, Dinalva resolveu formalizar sua ânsia na luta pelo socialismo, filiou-se ao PCdoB, na época era o maior partido de esquerda do país. Anos depois, com sua graduação concluída e casada, ela tinha apenas duas opções: viver uma vida de alienação enquanto seus amigos eram torturados nos porões da ditadura, ou se aliar a luta armada, viver clandestinamente até ser presa e morta por esse regime vil. Já conhecida dos militares, por participar dos movimentos estudantis, Dinalva e seu esposo decidiram partir para um projeto ambicioso junto ao partido que eram filiados: Viajar para o Araguaia e participar do levante armado rural para poder tomar o poder dos militares, projeto ambicioso, não? mas no auge da ditadura, os jovens não tinham muitas escolhas, e loucuras como essas eram aceitáveis!

Ao partir para o desconhecido, ela deixou seu emprego e sua família, em prol da luta revolucionária, não tinha 30 anos quando decidiu lutar no Araguaia. A Naná tornou-se “Dina”, a temida Guerrilheira do Araguaia. Ao exilar-se para a mata com a missão da Revolução Socialista, deixou seus pais e parentes aflitos, pois eles já sabiam o que estava por vir...

Dina chegou no Araguaia em meados de maio de 1970, nos “anos de chumbo” da ditadura. Mesmo com poucos recursos ela montou um comércio na região para ganhar conhecimento da área e da população, já que um dos principais objetivos dos guerrilheiros era conquistar a confiança e apoio dos camponeses da região. A “Tabacaria da Dina” era uma “empresa de fachada” para que ela realizasse seu grande objetivo.

Na sua vida fictícia no Araguaia, ela tinha que conciliar seu ofício como “vendedora” e boa samaritana da população, com o treinamento de Guerrilha. Ela era uma das Integrantes do Destacamento C das forças guerrilheiras do Araguaia, comandado por Osvaldo, nos tempos vagos, eles aprendiam a atirar, esconder comida na mata fechada, fazer curativos, caçar, e viver em condições íngremes. Há relatos de que ela também atuava como parteira e professora.

Na década de 70 a região do Araguaia era praticamente abandonada pelos governantes e a população bastante necessitada vivia em difíceis condições de sobrevivência. A chegada daqueles jovens idealistas que ajudavam a população em quase tudo, transformaria a vida daqueles camponeses, mesmo sendo obrigados a entregar e matar quem tanto os ajudou. O regime militar era assim, implacável, corrupto, desumano e lutava na contramão dos interesses do próprio povo brasileiro. Dina queria fazer a diferença, e assim o fez. Tornou-se uma exímia atiradora e garantiu a admiração dos companheiros, mesmo em um ambiente de esquerda que também propagava o machismo. Foi a única mulher vice comandante de um destacamento armado, sabia atirar como ninguém, além de fugir das emboscadas das operações militares, ganhando o apelido de Borboleta no imaginário popular.

Com a fama dos Guerrilheiros crescendo, a repressão tratou com rapidez para “aniquilar o problema”. Várias operações foram realizadas na região para capturar e assassinar aqueles que “faziam a desordem no país”, aos poucos aqueles jovens idealistas foram tombando. Muitos foram assassinados a sangue frio pela população local, em troca de um pedaço de terra ou uma quantia irrisória de dinheiro, outros foram capturados com vida, torturados barbaramente até morrerem. Dina, a temida guerrilheira, a pequena grande borboleta do Araguaia teria o mesmo triste fim.

Consagrou-se como lenda em 1973, na última operação dos militares na região. Dina era uma das mortes prioridades do governo, ela era considerada a mulher mais perigosa do Araguaia, a lendária Dina, era a cabeça que os milicos ambicionavam. Em 73, os militantes comunistas já estavam em condições desumanas, os que estavam vivos chegavam a comer jabuti cru, descobertos na região, foram alvos dos “caça recompensa”, e Dina era uma das cabeças mais valiosas. O último registro feito da Guerrilheira foi no natal de 1973, segundo relatos ela estava doente, fraca, desnutrida, sem comer sal e açúcar há meses! A maioria dos capturados encontravam-se nesse estado, pois após serem descobertos, tinham que sobreviver na mata, tarefa quase impossível para muitos.

Há grandes controvérsias sobre o fim da Borboleta do Araguaia. Segundo os próprios registros do exército, consta que ela foi capturada com vida e estava grávida, mas como estava desnutrida, isso era quase imperceptível, foi levada para a base de Xambioá, torturada durante duas semanas e depois de não dar nenhuma informação sobre as táticas da guerrilha, foi fuzilada em local desconhecido, também há quem diga que ela morreu em confronto direto com o exército. Consta no relatório da Comissão Nacional da Verdade que Dinalva Conceição Oliveira Teixeira foi presa com vida, torturada e fuzilada após não dar informações sobre a guerrilha. Morreu olhando para seu executor, segundo o relato acima.

Longe da mata e longe de qualquer notícia da pequena Naná, seus pais sofriam sem saber o que estava acontecendo com a filha amada. Parente próximos já desconfiavam do fim da vida de Dina, a família não fazia ideia de como aquela menina tímida e meiga tinha aprendido a atirar e sobreviver na selva, mas é com diz o ditado: pessoas silenciosas tem a mente perturbadora. Dina era assim, uma borboleta silenciosa que perturbou os generais do alto escalão do exército. A família ficou com a saudade e a dor de não poder localizar seus restos mortais, Dinalva é oficialmente considerada desaparecida política desde dezembro de 1973. Os pais de Dina morreram sem saber o paradeiro da filha. Ainda sofremos pela ferida nunca cicatrizada de não enterrar os nossos desaparecidos políticos. Se Dina não foi encontrada, é porque está viva! Viva no nosso imaginário, viva como uma borboleta voando para longe do seu predador. Dina Vive!

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Em memória de Dinalva Conceição Oliveira Teixeira. A pequena grande Borboleta do Araguaia.

 É dever do estado Brasileiro, julgar, punir e determinar o paradeiro das vítimas do Regime Militar.

Texto: Luana


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