JOANA D'arc

 “Joana, a tua função foi agir e sofrer, e tu sabias do teu destino desde a primeira hora. A vida, tal como disseste, é curta, enquanto o sono dos mortos é muito longo!”

Imagine uma mulher no período da idade média que ouvia vozes e se vestiu de homem para lutar batalhas em prol do seu próprio país... escrevendo assim, parece o início de uma história épica aos olhos atuais, entretanto, no auge do século XV, Joana foi julgada como uma verdadeira bruxa e queimada viva pela santa inquisição da igreja católica, e não ironicamente, séculos depois, a mesma heroína de que vos falo foi canonizada uma santa da igreja católica, sim, a mesma que a queimou séculos antes. Joana não foi perdoada pela sua religiosidade e senso de patriotismo, ao arriscar sua vida lutando contra os ingleses... independente do motivo, as mulheres sempre foram alvos preferenciais da violência patriarcal.

Joana foi queimada em 1431, por bruxaria! Apesar de não ter feito mal a ninguém, exceto aos inimigos da sua própria pátria, contudo não foi poupada da ira e do fardo de ser uma mulher de origem humilde, capaz de lutar contra um exército de homens.

Exatos 592 anos passaram-se desde o julgamento e assassinato de Joana D’arc, e parece que foi ontem que uma menina chamada Joana ardia em uma pira, porém, a memória histórica nos dá o privilégio de reviver essa personagem e permite analisarmos a mentalidade que rondava à época... era o século XV, as mulheres não eram consideradas seres humanos capazes de atingir saberes e lutarem bravamente, só as bruxas eram capazes! Então, eles arrumaram um jeito de exterminá-las a mando de deus. Ter vagina, mamas e ser pensante não eram características que andavam bem juntas naquela época!

Bom, apesar de falar dessa figura histórica que os livros retratam como símbolo de heroísmo, eu quero falar sobre outra Joana! Essa certamente jamais será retratada em livros, ela será apenas mais uma mulher nas estatísticas de violência contra a mulher do Brasil.

Joana D’ark de Alencar, uma mulher de 34 anos foi esfaqueada pelo ex-marido. Ela estava sentada esperando a abertura do seu local de trabalho quando um carro que transportava o seu algoz se aproximou... ele desferiu facadas no braço e abdômen da vítima. A tentativa de homicídio (até porque ainda não foi divulgado o estado de saúde da mulher) foi gravada por uma câmera de segurança do local, acabei vendo o vídeo, já que estava na notícia, era quase impossível passar desapercebido, e as imagens perturbadoras que ficaram no meu cérebro me lembraram do martírio da jovem camponesa do início desse texto. A peculiaridade do nome e a causa da morte, ou possível morte, fizeram essas duas Joanas se unirem mesmo depois de quase 6 séculos. Como disse a brilhante Márcia Tiburi: “no patriarcado, o destino das mulheres é a violência!” O patriarcado sustentado pelo machismo e misoginia matou as duas Joanas, em períodos completamente distintos, mas pelo mesmo motivo: serem mulheres.

O desejo de dominação pelo corpo das mulheres, mente e ações nos fazem vítimas de diversos tipos de violência. O desejo de seguir em frente como queria a Joana D’ark atual, lhe fez vítima do seu próprio ex-companheiro, tal era desejo de posse que ele preferiu atentar contra a vida desta mulher. Mesmo após séculos de distância entre uma Joana e outra, a mentalidade arcaica ainda paira sobre a sociedade atual.

De acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 49,005 mulheres foram assassinadas entre 2011 e 2021. Em 2021, 3.858 mulheres foram mortas de forma violenta no Brasil. O número representa mais de 10 mortes por dia e coloca as mulheres como um dos maiores grupos de vítimas de violência cotidiana no país.

Os dados são alarmantes, é fato! e o que podemos fazer para que a violência finalmente acabe? As leis realmente funcionam nesses casos? A mentalidade patriarcal da humanidade um dia terá fim? Ou será que daqui a 2 séculos alguém retratará sobre mais uma Joana vítima de violência?

A única certeza que podemos ter agora, é que esse sistema de subjugação deve acabar.

Enquanto isso, continuaremos a ver as piras arderem.

“.. nem por um momento Joana duvidou do destino obscuro que lhe estava reservado.”



 

FONTES: Dashboard Violência Contra a Mulher - Atlas da Violência - Final - 21-11 (ipea.gov.br)

6858-atlas-violencia-2023-infografico-v06-1.pdf (ipea.gov.br)

Mulher é esfaqueada por ex-marido na zona Sul de Teresina (teresinadiario.com)

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